

Para que possamos compreender a profundidade deste artigo, torna-se necessária uma breve definição de tipologia:
“A tipologia é uma técnica associada bem de perto à alegoria, mediante a qual pessoas, eventos, instituições ou objetos de qualquer espécie passam a simbolizar ou ilustrar a pessoa de Jesus Cristo, ou então aspectos da fé, da doutrina, das práticas, das instituições cristãs, etc. Paulo e o autor da epístola aos Hebreus muito tiraram proveito do Antigo Testamento, visto que eles acreditavam que o Antigo Testamento prefigurava (por ato de Deus) o Novo Testamento, como também Cristo foi o cumprimento de inúmeros tipos ou símbolos do Antigo Testamento.”
Na tipologia bíblica sabemos que as figuras, em sua maioria, apontam para o ministério de Cristo ou sua obra redentora. Isto quer dizer que embora a Bíblia e seus símbolos tenham diversas finalidades, o tema da salvação é o mais amplo das Escrituras, desde seu início em Gênesis até o livro de Apocalipse.
Chegando ao centro do tema deste artigo, o leitor poderia perguntar-se: em que sentido o Sábado constitui tipo ou simbolismo de Cristo afinal? Para justificar isto precisar-se-ia de apoio escriturístico, apoio da tradição da igreja, além de uma boa exegese e hermenêutica.
Em primeiro lugar precisamos entender que o sábado é uma instituição divina na criação e na reestruturação do povo de Israel no Sinai. Com base nestes dois acontecimentos iremos interpretar a importância do sábado e só então estaremos habilitados a compreender a importância do sábado nas Escrituras e de sua função tipológica.
Vejamos alguns textos a seguir:
1.1 O Sábado na Criação
No relato da criação em Gênesis 1 e 2, vemos uma sequência fantástica e exuberante da criação. Como na execução de uma sinfonia, Deus inicia esta obra de maneira estrondosa e brilhante, criando a luz e dando forma à terra. Cada parte da criação executada por Deus preparava o próximo movimento ou ato criador. Cada parte desta obra estava interligada e nesta maravilhosa criação seguiu-se um ato após outro, de admirável beleza.
Como se Deus estivesse preparando toda a criação para seu ápice, como uma sinfonia prepara seus movimentos para que o último venha ser o desfecho do tema, Deus foi preparando de maneira nova e singular cada passo, até chegar na criação da humanidade em Gênesis 1. 27 e 28: “Criou Deus o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. Deus os abençoou, e lhes disse: "Sejam férteis e multipliquem-se! Encham e subjuguem a terra! Dominem sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se movem pela terra". (Versão revista e atualizada)
A importância da criação do homem consiste no fato de sua singularidade e de sua proximidade com o Criador, sendo a criação de Adão e Eva um evento, até aqui, mais especial que os demais. Esta proximidade se deve às características divinas concedidas ao homem. Concluímos assim que a proximidade do ser humano com Deus deve-se totalmente ao próprio Deus, que o criou com capacidades semelhantes às de si mesmo.
Mas como consequência do pecado, esta proximidade deixou de existir. Vemos isto em Gênesis 3.10: “E ele respondeu: Ouvi teus passos no jardim e fiquei com medo, porque estava nu; por isso me escondi." (Versão revista e atualizada)
Portanto, o medo gerado pelo pecado levou o homem a esconder-se de Deus, e assim, como última consequência, o afastamento daquele que é a Vida (Disse-lhe Jesus: “Eu sou a ressurreição e a vida...” - João 11. 25). Foi gerada a morte como o “salário do pecado” - Romanos 6. 23. Voltaremos a tratar deste assunto posteriormente.
Se o relato de Gênesis sobre a criação terminasse por aqui, a criação da humanidade seria o centro deste evento e não a glória e honra dAquele que nos criou. Mas sabemos que o relato da criação não termina neste movimento, mas sim quando o Senhor inaugura o sétimo dia, como afirma o relato de Gênesis 2. 1 - 3: “Assim foram concluídos os céus e a terra, e tudo o que neles há. No sétimo dia Deus já havia concluído a obra que realizara, e nesse dia descansou. Abençoou Deus o sétimo dia e o santificou, porque nele descansou de toda a obra que realizara na criação.” (Versão revista e atualizada)
A criação do sétimo dia anuncia a entrada de Deus no mundo. Destaca-se a peculiaridade da linguagem utilizada por Moisés na composição deste texto em que ele afirma que Deus “descansou” - שבת. Desta maneira, o sábado desde o Éden é uma maneira de apreciação da presença de Deus, que desde o princípio comunicou ao homem seus eternos atributos. O sábado foi para Adão uma oportunidade de conhecer o Criador com maior profundidade e de deleitar-se com ele. Assim, o sábado para Adão foi o dia de um encontro pessoal com Deus. “E Deus abençoou e santificou o sétimo dia, porque nele descansou de toda obra que fizera.” Gn 2. 3 (Versão revista e atualizada). Estes três verbos sinalizam a percepção do sábado no Antigo Testamento: um dia santo, abençoado e de repouso.
Esta linguagem que destaca acentuadamente uma atitude humana - não tanto de repouso físico, mas de repouso espiritual e reflexivo - mostra como Deus se aproximou da humanidade de tal forma que compartilhou suas atitudes, sentimentos de felicidade e reflexão. Obviamente, o descanso divino não refere-se à reposição de energia física, como é comum ao homem, mas a uma expressão de simpatia com a raça humana. Mais tarde, esta simpatia iria tomar outras proporções fazendo com que Cristo, o Emanuel , tornasse a encontrar com seus filhos encarnando-se em forma humana.
Desta maneira o sábado simboliza o prazer de Deus em estar com seus filhos. Esta é exatamente a função de Cristo - preparar o encontro entre Deus e a humanidade que estava no pecado. Através do ato redentor de Jesus Cristo em morrer na cruz por nossos pecados e ressuscitar é que podemos desfrutar de descanso pleno na presença de Deus. (Ver João 17. 3, 6, 25 e 26; Romanos 3. 24 e 25.)
O sábado hoje é tipo ou símbolo da obra de religação que operou em nosso favor e que agora, por meio dele, desfrutamos de comunhão com Deus, como está escrito: “Justificado, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo.” Romanos 5.1 (Versão revista e atualizada). Ao guardar o sábado estamos comemorando a maravilhosa providência de Deus, louvando a Deus pela sua graça e pela certeza de ter um encontro com o Criador.
1.2 O Sábado na Reestruturação de Israel após o êxodo.
Ressaltaremos agora o momento histórico da libertação de Israel ocorrida no Egito, o qual havia escravizado e explorado o povo de Israel. Por reestruturação, queremos ressaltar que por mais de 200 anos Israel havia sido escravo e este longo tempo de escravidão deixou marcas profundas neste povo, que necessitava de um processo de evangelização e reorganização como nação e como indivíduos.
A inauguração da páscoa é uma comemoração recordativa de libertação - o povo foi liberto com a última praga que caíra sobre aqueles que oprimiam o povo de Israel. Após a saída do povo de Israel do Egito e da providencial e milagrosa travessia pelo mar vermelho, encontramos no capítulo 16 de Êxodo o relato da instituição do sábado.
O povo estava com fome, e havia entre eles alguns insatisfeitos, fazendo com que logo o povo começasse a murmurar. Deus providenciou o maná e colocou expressamente uma ordem: “Eis que vos farei chover pão dos céus, e o povo sairá e colherá cada dia a porção para cada dia, para que eu veja se anda em minha lei ou não. E acontecerá, ao sexto dia, que prepararão o que colherem; e será o dobro do que colhem cada dia...E ele disse-lhes: Isto é o que o SENHOR tem dito: Amanhã é repouso, o santo sábado do SENHOR; o que quiserdes cozer no forno, cozei-o; e o que quiserdes cozer em água, cozei-o em água; e tudo o que sobejar ponde em guarda para vós até amanhã.” Êxodo 16. 4, 5 e 23. (Versão revista e atualizada)
Após a páscoa, a primeira instituição comemorativa foi o re-estabelecimento do sábado como um dia especial. Podem ser observados diversos paralelos entre o sábado na criação e o sábado na reestruturação do povo de Israel. Por exemplo: o sábado neste relato de Êxodo assim como em Gênesis prima pela consagração deste dia - por consagração quero dizer, tornar especial, santificar. Neste dia não deveria cozer-se nada, nem sair para apanhar o maná (pão que descia do céu). Portanto, o fato de guardar-se de realizar tarefas era um ato de respeito pelo sábado e isto era santificar o sábado.
O texto do livro de Ezequiel 20.20, mostra a relação de identidade construída em base da aliança. Os termos desta aliança são a obediência principalmente em relação ao sábado, ele seria a identidade daqueles que serviam ao Deus verdadeiro. Desta maneira, vemos que a ideia de um dia de reflexão com Deus, no qual há uma comunicação especial dEle mesmo, não deveria perder-se de vista. Por isto, a reinstituição deste dia foi tão importante, pois o mesmo devolvera-lhe a identidade de servir ao Deus verdadeiro, ao Deus criador, identidade esta reconstruída a partir de um relacionamento direto com Deus.
O sábado neste relato é tipo de Cristo, pois também representa uma das funções da ação redentora de Jesus Cristo. Vemos que o ministério de Cristo na terra trouxe ao homem a recuperação de sua identidade, manifestou o amor ao próximo e aproximou a humanidade de Deus. No sábado Ele curava, realizava milagres e ensinava; com isso devolvia a identidade ao mundo.
Embora essas atividades fossem realizadas diariamente, o fato de Jesus tantas vezes haver sido interrogado sobre suas atitudes neste dia mostra que os judeus haviam perdido o contato com Deus, justamente no dia em que Deus havia separado para encontrar-se com eles e comunicar-se ao seu povo. Assim, o sábado na reestruturação do povo de Israel, fazia parte de um simbolismo de Cristo, que viria à Terra devolver ao mundo sua identidade. Concluímos então que o sábado é um dia em que se celebra a Cristo e sua obra de salvação, de restauração e de alegria.
Por: Caio Vinícios.
Referências
BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada. Tradução João Ferreira de Almeida, Revista e Atualizada. 2. Ed. ver. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil.
CHAMPLIN, Russel Norman. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. Vol. 6. 1 Ed. Hagnos: p. 438
STRONG, James. Dicionário Bíblico Strong.1 Ed. Barueri: Sociedade Bíblica Brasileira, 2002, p.1881.
WHITE, Ellen G. Patriarcas e Profetas. 16 Ed. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2006, p. 764.