A natureza da divindade não foi motivo de discussão nos primeiros anos do Cristianismo. O centro da pregação dos primeiros cristãos era a morte e ressurreição de Cristo. Paulo relembrou aos coríntios o conteúdo principal do seu ensino: “Pois o que primeiramente lhes transmiti foi o que recebi; que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, e foi sepultado e ressuscitou no terceiro dia, segundo as Escrituras.” 1Co 15.3, 4. Se lermos com atenção os primeiros sermões pregados pelos apóstolos e narrados no livro de Atos veremos que esse era o seu principal tema.
Contudo, a medida que a mensagem evangélica ia alcançando outros territórios, outras culturas e, portanto, outros grupos religiosos a questão da natureza do Cristo pregado pela igreja começou a ser mais discutida. Quem era esse Cristo em quem a Igreja centrava a fé? A releitura da Sua história acabou levando a várias interpretações da Sua natureza.
Era natural que o judaísmo, com sua forte ênfase ao monoteísmo, tivesse influência sobre muitos cristãos. Esse grupo de cristãos ficou conhecido como os ebionistas. Eles negavam a divindade de Cristo e o consideravam um simples homem, filho de José e Maria, que ser tornou Cristo a partir do seu batismo.
Se existiam os que sacrificavam a divindade pela defesa da humanidade de Cristo, havia os que faziam exatamente o contrário. Os gnósticos, profundamente influenciados pelo pensamento dualista grego, entendiam que a matéria é má e que por isso era impossível que Deus tivesse criado o mundo e que Jesus tivesse um corpo carnal. Uma fagulha divina – ou emanação de Deus – teria criado o mundo. Os docetistas (do grego dokeo, que significa “parecer”) foi um grupo liderado por Cerinto (85 d.C.). Ele cria que a humanidade de Cristo era ilusória e que Cristo apenas “parecia” ser real. Para outros docetistas Cristo apossou-se de Jesus, quando de seu batismo e o abandonou na sua morte na cruz. João se opôs firmemente a estas idéias (veja 1Jo 1.1-3 e 4.1-3).
Outro grupo que levou divisão e debates dentro da Igreja foram os modalistas. Eles também rejeitavam a humanidade de Cristo para, ao seu ver, preservar a unidade dentro da divindade. O problema deles foi relacionar Cristo a Deus. Eles enfatizavam a unidade de Deus e não concebiam a pluralidade divina. No século III, Paulo de Samósata ensinava que Cristo não era divino mais apenas um homem que, pela justiça e pela penetração de seu ser pelo Logos divino, alcançou a divindade e o caráter de salvador. Sua teologia era unitarianista e sua doutrina ficou conhecida como monarquismo dinâmico.
O monarquismo modalista foi proposto por Sabélio, que começou a pregar por volta do ano 200 d.C. Ensinava uma Trindade de manifestação de formas e não de essência. Assim, para os sabelianos, Deus se manifestou como Pai no AT, Filho no NT e Espírito Santo na nova dispensação, sendo apenas uma única pessoa.
Mas o grupo que maior impacto teria sobre a igreja foi o liderado por Ário, presbítero de Alexandria em 256-336 dC. Ele ensinava que o “logos” seria uma emanação ou expressão de Deus, mas que não podia ser identificado com o Deus altíssimo, que deveria se visto como totalmente transcendental. Para Ário o Logos fora criado por Deus e se tornou o agente ativo da criação. O Concílio de Nicéia (325dC) combateu as idéias arianas.
Existem outras heresias com respeito a natureza de Jesus, mas essas poucas podem nos advertir sobre o cuidado que deve envolver o estudo sobre a doutrina de Cristo. Como disse o Senhor a Moisés: “Tira a sandália dos seus pés, pois onde estás pisando é terra santa.” O avanço da história não tem alterado grandemente as várias opiniões do mundo sobre Jesus, em nossos dias encontramos todos os pontos de vista que havia na antiguidade, embora com algumas variações.
E sobre o Espírito Santo?
Pelo que vimos até agora, o debate sobre a divindade esteve a maior tempo centrada na pessoa de Jesus Cristo. Se bem que todo grupo que negasse a plena divindade de Cristo estaria automaticamente negando a doutrina bíblica da Trindade, poucos grupos centravam suas ideias na pessoa e obra do Espírito Santo. Contudo, em alguns momentos da história do cristianismo surgiram grupos heréticos que focavam a pessoa e a obra do Espírito Santo.
Uma das primeiras heresias relacionadas com o Espírito Santo foi o Montanismo, surgido na metade do segundo século da era cristã, que defendia um culto em torno da terceira pessoa da divindade. Montano, originário da Ásia Menor, foi um sacerdote convertido do culto pagão a Cibele. Ele rejeitava as autoridades eclesiásticas, a hierarquia em torno dos bispos e as estruturas das paróquias. Esta atitude estava ligada ao fato dele acreditar que a Igreja deveria ser dirigida pelo Espírito Santo diretamente. Nos cultos promovidos pelo montanismo havia a manifestação do falar em línguas estranhas.
No século IV surgiu uma heresia preconizada por Macedônio, bispo de Constantinopla, e por isso passou a ser conhecido como Macedonismo. Ele negava a personalidade do Espírito Santo, afirmando que Ele era os dons da graça derramados sobre os homens. Macedônio se defendia argumentando que a Igreja não tinha uma posição clara sobre a divindade do Espírito Santo, uma vez que o Credo de Nicéia, publicado depois do concílio de 325 dC, não fazia referências à divindade e personalidade do Espírito Santo. Depois de falar da crença da igreja sobre o Pai e do Filho, o credo original dizia apenas: “Como também em um só Espírito Santo”[1], sem maiores detalhes.
Essa ambigüidade do credo foi corrigida no Concílio de Constantinopla, reunido em 381, que acrescentou a seguinte explicação: “E no Espírito Santo, Senhor e Vivificador, que procede do Pai, que com o Pai e o Filho conjuntamente é adorado e glorificado, que falou através dos profetas”.[2] Com esse acréscimo ao texto original de Nicéia, ele passou a ser chamado de Credo Niceno-Constantinopolitano. Assim, a igreja estava dando uma resposta aos pneumatômacos (lit. “combatentes contra o Espírito”), como eram também conhecidos os macedonianos.[3]
Outras manifestações do culto ao Espírito Santo apareceram no século XII, XIII e XIV. Numa Europa consumida pela fome e a guerra, surgiam grupos de peregrinos penitenciais, conhecidos como “flagelantes”. A pé, quase nus, cantando e orando, auto-flagelando-se com chicotadas nas costas, percorriam os locais de peregrinação da Europa, Para eles quanto maior o sofrimento maior seria a chance de receber o perdão dos pecados e de ser possuído pelo Espírito Santo. Os flagelantes tinham visões, êxtases e falavam em línguas, que diziam ser dos anjos. Devido aos abusos e violências que se seguiram a chegada às cidades, os adeptos desse culto foram perseguidos. Contudo eles foram dados como extintos apenas no século XVIII.
O estudo sobre a doutrina do Espírito Santo teve um novo impulso com o metodista de John Wesley, na Inglaterra do século XVIII. Com sua forte ênfase na vida santificada, o wesleyanismo destacava a importância do cristão experimentar a plenitude do Espírito Santo. A teologia metodista serviu de base para o aparecimento dos movimentos de reavivamento que surgiram ao longo do século seguinte e que por fim evoluíram até o surgimento do movimento pentecostal.
O pentecostalismo moderno teve início em 1906, nos Estados Unidos, sob a liderança de Willian Joseph Seymour, um pastor negro sem formação teológica e que era criticado por sua igreja por promover cultos que beiravam a histeria. Os freqüentadores deste culto eram serviçais pobres, zeladores, trabalhadores diaristas, todos negros. O movimento logo ganhou adeptos entre outros grupos sociais, como os asiáticos, brancos e mexicanos. O pequeno bangalô de madeira onde eram celebradas as reuniões logo ficou pequeno e eles tiveram que alugar um antigo estábulo que conservava o cheiro dos cavalos na Rua Azusa, 312, Zona Norte de Los Angeles. Um púlpito foi improvisado sofre uma pilha de caixas de sapato vazias. O primeiro culto foi celebrado no dia 14 de abril. Quatro dias mais tarde, São Francisco foi destruída por um terremoto, no maior desastre em território americano até aquela data. O acontecimento foi dado como um sinal do juízo de Deus e deu novo impulso ao movimento que estava surgindo. Logo, a pregação da doutrina pentecostal se espalhou por todas as regiões dos Estados Unidos e menos de 10 anos depois do seu início já haviam surgido grupos na América do Sul e na Europa. Atualmente um quarto dos cristãos do mundo defende a bandeira pentecostal.
A questão da divindade nos grandes Concílios
Quando Ário, presbítero de Alexandria, em 318, começou a ensinar que Jesus Cristo era superior à natureza humana, mas inferior a Divina, provocou uma forte divisão doutrinária na Igreja. Ele pregava que Jesus tivera início. Constantino, temendo que essa divisão fragmentasse a Igreja, convocou o primeiro concílio geral da Igreja na cidade de Nicéia, na Bitínia, em 325 dC.
Quando o concílio aconteceu Atanásio, era apenas um diácono de Alexandria. Ele foi o grande campeão da crença ortodoxa, ao defensor da divindade de Cristo e de sua existência eterna. Depois de um debate acirrado, o Concílio de Nicéia rejeitou a posição ariana. O credo niceno, publicado depois das reuniões, não foi muito claro em definir a natureza de Cristo e do Espírito Santo. Essa falta de clareza acabou se tornando o combustível que alimentou o mesmo debate dentro da Igreja nas próximas gerações.
Quando a doutrina da divindade do Filho foi estabelecida oficialmente, surgiu a questão quanto à relação mútua das duas naturezas de Cristo. Para Apolinário o Logos assumiu o lugar do espírito (pneuma) no homem, que ele considerava a sede do pecado. Ele queria salvaguardar a unidade da pessoa de Cristo, sua divindade e impecabilidade, mas acabou sacrificando sua humanidade. Essa posição foi condenada pelo Concílio de Constantinopla, em 381 dC. Como vimos, na ocasião a Igreja definiu de forma mais clara o que ensinava sobre o Espírito Santo e assim dar uma resposta aos que negavam a Sua personalidade e divindade.
Teodoro de Mopsuéstia e Nestório defendiam que a habitação do Logos em Cristo era apenas moral tal como acontece em uma menor escala no crente. Para Cirilo de Alexandria, e mais tarde Eutico, a natureza humana foi absorvida pela divina em Cristo. O Concílio de Calcedônia, em 451 dC, condenou esses conceitos e manteve a crença na unidade da pessoa, como também na dualidade das naturezas.
Algum tempo depois deste concílio o erro monofisista[4] continuou a ser ensinado por alguns na igreja. No período da Idade Média pouco se acrescentou a discussão quanto a natureza de Cristo. A ênfase que recaia sobre a imitação de Cristo, teorias sobre a expiação e o desenvolvimento da teologia da missa levou a igreja a apegar-se a humanidade de Cristo. O tempo da Reforma não foi marcado por grandes debates sobre a doutrina da pessoa de Cristo e a natureza do Espírito Santo.
[2] Idem, p. 56.
[3] MENEZES, Aldo. Por que abandonei as Testemunhas de Jeová, p. 201, 202.
[4] Monofisismo (vocábulo formado por duas palavras gregas: mono, um e fisismo, físico, natureza). É a idéia de que Jesus teria apenas uma natureza, ou a divina ou a humana.