Existiam dois aspectos que influenciaram os pioneiros na sua oposição sobre a doutrina da Trindade: a forma como as igrejas cristãs apresentavam o tema e os grupos de adventistas “espiritualizantes” que surgiram após o desapontamento de 1844. Esses fatores vão influenciar o pensamento de Ellen G. White também. Ao longo do ministério profético de Ellen White percebemos que havia um modo de explicar a doutrina da Trindade que ela rejeitava e outro que ela endossava e cria. A visão espiritualizante da Trindade que despersonalizava os membros da divindade era rejeitada por ela. Por outro lado, ela endossava a compreensão que descrevia o Pai, o Filho e o Espírito Santo como seres reais e pessoais.
O primeiro fator que levou os pioneiros do adventismo a rejeitarem essa doutrina foi o modo como as igrejas cristãs apresentavam o tema em seus credos. A Confissão de Westminster, de 1647, descreve a crença prevalecente entre os protestantes sobre Deus:
“Há apenas um Deus vivo e verdadeiro, que é infinito em ser e perfeição, um espírito puríssimo, invisível, sem corpo, partes ou paixões, imutável [...].”
O Credo Metodista, publicado em 1784, explica o que aquela igreja ensinava sobre a Divindade:
“Há apenas um Deus vivo e verdadeiro, eterno, sem corpo ou partes, de infinito poder, sabedoria e bondade; o Criador e Preservador de todas as coisas, visíveis e invisíveis. E na unidade dessa Divindade há três pessoas de uma substância, poder e eternidade: o Pai, o Filho e o Espírito Santo.”
Baseados na leitura dos credos das igrejas evangélicas daquela época, os adventistas entendiam que as Igrejas tinham uma visão espiritualizante de Deus. Eles rejeitavam essa forma de entender a natureza de Deus. Tiago White escreveu: “O modo como os espiritualizantes têm rejeitado e negado o único Senhor Deus e nosso Senhor Jesus é, em primeiro lugar, utilizando o antigo credo trinitariano não escriturístico, a saber, que Jesus é o próprio Deus eterno.”[i]
Não era apenas os adventistas que se incomodavam com essa crença em um Deus ser corpo ou forma. Isso parece ter incomodado a profetisa também. Em suas primeiras visões, ela revelou essa dúvida:
“Vi um trono, e assentados nele estavam o Pai e o Filho. Contemplei o semblante de Jesus e admirei Sua adorável pessoa. Não pude contemplar a pessoa do Pai, pois uma nuvem de gloriosa luz O cobria. Perguntei a Jesus se Seu Pai tinha a mesma aparência que Ele. Jesus disse que sim, mas eu não poderia contemplá-Lo, pois disse: ‘Se uma vez contemplares a glória de Sua pessoa, deixarás de existir’." PE 54.
“Tenho visto muitas vezes o amorável Jesus, que é uma pessoa. Perguntei-Lhe se Seu Pai era uma pessoa e tinha a mesma forma que Ele. Disse Jesus: ‘Eu sou a expressa imagem da pessoa de Meu Pai’.” PE 77.
Apesar de pouco revelar sobre o que ela pensava sobre Deus, esses comentários demonstram que havia alguns pontos na forma como as igrejas protestantes explicavam a Trindade, que ela não podia concordar.
Matheus Cardoso comenta:
“Agora podemos entender por que Ellen G. White não reprovou seus contemporâneos adventistas por rejeitarem a Trindade. Ela concordava essencialmente com a posição deles e chegou a declarar que o Pai possui ‘a mesma forma’ que Cristo é uma ‘pessoa’ como Ele. Embora os pioneiros discordassem entre si quanto a detalhes a respeito da divindade e não possamos aceitar cada frase escrita sobre o assunto cremos que eles estavam essencialmente corretos sobre a Trindade.
“Após examinar o que os pioneiros escrevem sobre o tema, Jerry Moon, professor de História da Igreja na Universidade Andrews, chegou a conclusão de que ‘o ensino trinitariano [isto é, a doutrina da Trindade] dos últimos escritos de Ellen G. White não é a mesma doutrina que os primeiros adventistas rejeitavam’.”[ii]
Apesar de Ellen White, tal como seus companheiros de adventismo, fazer objeções a alguns aspectos da doutrina da Trindade como era apresentada pelos demais cristãos, nos primeiros anos do seu ministério profético já encontramos indicações em seus escritos a respeito da sua compreensão sobre o assunto. Em 1858, Ellen White fala do Espírito Santo como estando presente no batismo de Cristo:
“Anjos de Deus pairaram sobre a cena de Seu batismo; o Espírito Santo desceu sob a forma de uma pomba e resplandeceu sobre Ele [Cristo]; e, ficando o povo grandemente admirado, com os olhos fixos nEle, ouviu-se do Céu a voz do Pai, dizendo: ‘Tu és o Meu Filho amado em quem Me comprazo.’ Mc 1.11.” PE 153 [HR 196].
Nesta mesma obra ela descreve o Conselho Celestial, onde só deveriam participar o Pai e o Filho. Nesse momento ela não fala nada sobre o Espírito Santo. Contudo, devemos lembrar que o centro da discussão nesses escritos é o Grande Conflito, a luta de Satanás de ocupar o lugar de Cristo, e não um debate sobre a Trindade. Mais tarde, ela vai revelar que o Espírito Santo participou do plano da salvação:
“A Divindade moveu-se de compaixão pela raça, e o Pai, o Filho e o Espírito Santo deram-Se a Si mesmos ao estabelecerem o plano da redenção.” CSS 222.
No início dos anos 1870 começam a aparecer nos escrito de Ellen G. White os primeiros sinais de discordância da opinião dominante entre os adventistas quanto a divindade:
“O Filho de Deus tinha a forma de Deus, e não julgou como usurpação o ser igual a Deus.” 92MM 24 [1972]
Em geral, dividi-se o processo que levou a mudança em três períodos distintos: O primeiro vai de 1844 a1888, quando a maioria dos pioneiros tinham uma posição anti-trinitariana. O segundo período pode ser delimitado entre 1888, com a Conferência Geral de Minneapolis, e o ano de 1898, quando foi publicado o livro O Desejado de todas as nações. Essa fase pode ser definido como de transição. E o último período de nosso estudo vai de 1898 até a morte da profetisa, quando acontece o debate panteísta provocado pela crise do dr. Kellogg. Essa crise serviu para aprofundar o debate sobre a questão da natureza da divindade e somado a outros fatores ajudou a tornar a doutrina da Trindade a ser a voz predominante na igreja.