Nas mãos de um Deus silencioso
- Quando: 23/05
- Em: Vida Cristã
“Ó SENHOR, DEUS meu Salvador, dia e noite sem parar eu choro e imploro a tua ajuda. Escuta a minha oração, ouve os meus pedidos desesperados de socorro! Não há mais lugar em meu coração para tantas tristezas e males; sinto que estou muito próximo da morte. Todos dizem que é apenas uma questão de tempo, que já estou praticamente morto. Fui abandonado entre os mortos, como um soldado qualquer que morre e fica estendido no campo de batalha, gente que Tu esqueceste e abandonaste à própria sorte.Tu me lançaste num abismo profundo, num buraco tão escuro que eu morro de medo. A tua ira pesa como chumbo sobre mim; uma após a outra, as tuas ondas me encobrem e derrubam. Fizeste os meus amigos fugirem de mim; eles me detestam. Estou trancado numa prisão e não consigo fugir! Desesperado, chorei tanto que já não enxergo direito; todos os dias, sem parar, eu me ajoelho e peço a tua ajuda, Senhor. Em breve, já será tarde demais! Para que farás milagres, quando eu já estiver morto? Lá eu não poderei Te louvar! Depois de morto não poderei falar a outros da tua bondade; na sepultura não poderei mostrar aos homens como Tu és fiel. No mundo das trevas, quem irá contar os teus milagres? Quem anunciará a tua justiça na Terra do Eterno Esquecimento? Por isso, enquanto estou vivo, Senhor, peço o teu socorro com gritos e gemidos! Muito antes do sol raiar, a minha oração já foi feita a Ti. Por que, Senhor, não queres que eu viva na tua presença? Por que escondes o teu rosto de mim? Desde moço ando fraco e abatido, às portas da morte. O peso do teu castigo me deixou confuso e desorientado. Fui arrastado pelas ondas da tua ira; os teus golpes violentos acabaram comigo. Sou como uma ilha, cercado por um mar de medo. Tu afastaste de mim os antigos companheiros e conhecidos. Hoje, meu único amigo é escuridão.” Salmo 88 – Versão Viva
O salmo 88 é uma das passagens mais deprimentes da bíblia. O seu escritor não é nenhum ateu, incrédulo ou blasfemador. Trata-se de Hemã, ministro da música escolhido pelo rei para liderar o louvor no templo. Hemã tinha um coral dentro de sua própria casa: 17 filhos músicos. Hemã era tão fiel a Deus, que o rei Davi o tinha como um conselheiro espiritual. Porém, seu poema descrito no salmo 88 mostra o desespero de um ser humano que busca saída, mas não a encontra. Alegria, conforto e paz, são artigos de luxo nesse salmo. Esse salmo começa com lágrimas e termina em escuridão.
Você já se sentiu assim? Como se Deus estivesse dormindo? Como se Ele atendesse a todas as pessoas ao seu redor, mas fizesse questão de não olhar pra você! A biografia de pessoas como Jó, Madre Tereza de Calcutá e tantos outros, relatam a mesma sensação de tortura causada pelo silencio de Deus. Até o próprio Jesus experimentou essa sensação de mal-estar e amargura, ate que não aguentando mais o silencio de Deus grita: “Meu Deus. Meu Deus. Porque me abandonastes”?
Porque o silêncio de Deus atormenta tanto o ser humano?
1) Gera sensação de desamparo.
“Escuta a minha oração, ouve os meus pedidos desesperados de socorro!” Salmo 88.2
Sentir-se desamparado é massacrante. A sensação de não saber a quem recorrer por ajuda, faz o ser humano sentir-se abandonado e esquecido. Há alguns anos atrás, tive a oportunidade de visitar uma casa de repouso pública com um colega missionário. Era hora das visitas e as pessoas se amontoavam na porta do estabelecimento. Entramos com os demais visitantes e logo em seguida, meu colega foi surpreendido por uma senhora que veio chorando em sua direção dizendo: Porque você me deixou aqui? Você disse que só ia ir ali à esquina comprar um refrigerante e já voltava. Porque você mentiu pra mim!Inicialmente as pessoas nos olharam com dúvidas e apesar de nunca termos visto aquela senhora anteriormente, entendemos que seus sentimentos estavam massacrados pela sensação de abandono.
Nos dois primeiros versos do salmo 88, o salmista também não consegue esconder a sensação de abandono que envolve a sua vida. Hemã chega a dizer que dia e noite, sem parar, pede ajuda a Deus. Porém, tudo que recebe como resposta é o silencio de um Deus a quem ele ministra louvores. É como se Hemã fosse um cantor mudo ou um adorador invisível. E essa sensação de desamparo, escancara a realidade de vida de um ser envolto em tantos problemas que não sabe mais a quem recorrer. E nesses versos ele deixa bem claro que Deus é sua última ficha, mas uma ficha que não está lhe ajudando em nada.
Há alguns anos atrás li um texto intitulado “Ainda sinto sua falta”, atribuído ao ex-vocalista da banda Titãs, José Fernando Gomes dos Reis (Nando Reis). No texto ele declara: “Infelizmente não acredito em Deus. Digo infelizmente, pois essa impossibilidade muitas vezes faz da minha vida um trajeto silencioso e solitário. Gostaria de poder dividir com alguém as penúrias e as agruras dessa vida tão complicada. Quanta vez não quis eu olhar para o alto e me sentir amparado pela mão do Senhor, quando me vi impotente diante de tantos perigos. Quando temi pela vida de meus filhos, vindos e criados para desfrutarem a graça deste mundo, mas que, como todos nós, são vulneráveis à violência que nos acua e nos ameaça – me sinto só sem poder pedir proteção para meus entes amados”. Ao traçarmos um paralelo entre o salmo 88 e o texto do Nando Reis, encontramos muitas similaridades de pensamento. Em ambos temos um Deus silencioso e um humano sofredor que se sente desamparado por um Deus poderoso e onipotente.
Você já se sentiu desamparado por Deus? Alguma vez já experimentou orar por anos pelo mesmo motivo e não ser respondido? Em algum momento de sua vida já sentiu que suas preces nada mais são que rituais mecânicos de alguém que já não acredita mais que Deus responde a orações? Mesmo sendo cristão e fiel Hemã sente-se desse jeito: Desamparado por Deus em todas as áreas de sua vida. O silencio de Deus atormenta tanto o ser humano porque gera uma sensação de desamparo.
2) Potencializa o medo do fim.
“... sinto que estou muito próximo da morte. Todos dizem que é apenas uma questão de tempo, que já estou praticamente morto.” Salmo 88.4
Tanatofobia é o nome que se da a quem tem medo excessivo da morte. A morte é talvez um dos maiores tabus do ser humano. Ninguém gosta de falar de morte. E quando alguém começa a falar sobre a morte, logo aparece um que diz: Vira essa boca pra lá! Vamos mudar de assunto?! Os mais religiosos fazem ate o sinal da cruz! Porém a morte é um processo inevitável da vida neste planeta. Um dia todos nós vamos morrer. E foi pensando na brevidade da vida que três monges encabeçaram, no século 17, a construção da igreja de São Francisco em Évora – Portugal. Seu diferencial? Todas as suas paredes, bem como os oito pilares que sustentam o teto são revestidos com crânios, tíbias, fêmur e esqueletos humanos inteiros. Porém a parte que mais causa calafrios nos tanatofóbicos é o aviso que pode ser lido na entrada dessa igreja: “Nos ossos que aqui estamos pelos vossos esperamos”.
Mas porque mesmo sabendo que não podemos evitar o fim da vida, temos tanto medo de falar da morte? Certo escritor brasileiro afirma que o medo da morte vem não pelo fato em si de deixar de existir, mas porque somos os únicos na natureza que sabemos que vamos morrer. Os outros vão morrer, mas não sabem que vão morrer. O ser humano vai morrer e sabe que vai morrer. E o fato de sabermos que vamos deixar de existir em breve, causa uma corrida frenética pela busca de algo que dê sentido à existência. Pois a realidade é que ninguém quer morrer. Mostramos esse medo da morte nas tentativas alucinadas de frear o processo de envelhecimento. São milhares de procedimentos cirúrgicos e uma infinidade de produtos que prometem de volta a juventude. E assim a velhice é tratada como um defeito e não como um estágio inevitável da vida do ser humano aqui na terra.
Infelizmente a morte parece ser tão injusta com alguns que é impossível não ficar angustiado. Enquanto trabalhei como obreiro em Curitiba, fui convidado a fazer o culto fúnebre da filha de um ex-pai de santo a quem eu e minha esposa ministrávamos estudos bíblicos. A moça que voltava de uma festa com os amigos, teve o carro alvejado por vários tiros. Alguns deles afetaram a cabeça daquela moça que ainda não tinha 20 anos. Apesar de ter ficado na UTI por uma semana, a moça morreu. Seu pai não se contentava com o fato de Deus não ter salvado sua filha, mesmo ele decidindo se tornar evangélico. E daquele dia em diante, sempre que me via fazia questão de dizer que eu servia a um Deus que ficou em silencio quando ele mais precisou.
Hemã também se sentia assim. No verso 5 ele diz: “Fui contado entre os mortos, como um soldado qualquer que morre e fica estendido no campo de batalha...”. Em outras palavras ele está dizendo: Deus; Não quero morrer. Porque você fica em silêncio enquanto eu estou quase morrendo? O silencio de Deus atormenta tanto o coração do ser humano porque potencializa o medo da morte.
3) Provoca dúvidas paradoxais
“Hoje, meu único amigo é a escuridão.” Salmo 88.18
O salmista conclui sua declaração de desespero frente ao silencio de Deus externando que sua vida é uma ESCURIDÃO. Geralmente temos medo do escuro quando somos crianças; Medo este que tende a desaparecer naturalmente com o passar do tempo. Porém uma pesquisa realizada com adultos em 2012 no Reino Unido, apontou que 40% dos entrevistados disseram ter medo de andar pela casa com as luzes apagadas e 10% das pessoas disseram que nem saiam da cama para usar o banheiro a noite. Não dá pra negar que a escuridão assusta o ser humano ate o fim de sua vida. Segundo alguns psicólogos, não é o escuro em si que causa esse pavor, mas sim o que a escuridão pode esconder. A escuridão física deixa-nos vulneráveis e incapazes de detectar ameaças perto de nós.
Lembro-me que o dia 24 de dezembro de 2006 foi um dia muito especial para a família Santiago Pinheiro. Esse foi o dia em que um dos filhos do casal selava seu compromisso com Deus através do batismo em nossa comunidade. Aquela semana deve ter sido muito feliz para toda a família, não apenas pelas festividades de final de ano, mas também pelo fato de se sentirem bem com o batismo do seu filho. O dia 30 foi um sábado em família muito animado. E no dia 31 de dezembro de 2006, o irmão Jessé segurava em suas mãos o atestado de óbito de seu filho batizado há apenas uma semana atrás. O Jean morreu eletrocutado tentando salvar o pai. Tenho quase certeza que não passa pela cabeça de pai algum enterrar um filho adolescente, no último dia do ano, 8 dias após o seu batismo.
O consolo que cristãos geralmente oferecem em situações como essa é: Fique tranquilo. Deus está no controle ele sabe o que faz! Acredito que em algumas ocasiões esse consolo mais atrapalha do que ajuda. Pois não é sempre que a mente humana está predisposta a aceitar o silencio de Deus. Em momentos de angústia e sofrimento, a mente humana divaga no mar das incertezas. E não é difícil começarmos a nos indagar: Porque Senhor? Porque não evitastes essa tragédia? Será que Tu existes mesmo? Será que se importa comigo? Onde está Deus? É na escuridão do sofrimento que o silencio de Deus é mais aterrorizador, pois provoca dezenas de dúvidas paradoxais e centenas de perguntas sem respostas.
“[A escuridão] Era um símbolo da agonia e do horror que pesavam sobre o coração d’Ele (Jesus). Olho algum podia penetrar a escuridão que rodeava a cruz, e ninguém podia sondar a sombra mais profunda ainda que envolvia a sofredora alma de Cristo. Os furiosos relâmpagos pareciam dirigidos contra Ele ali pendente da cruz. Então Jesus clamou com grande voz: "Eli, Eli, lamá sabactâni?”, que traduzido, é: Deus Meu, Deus Meu, por que Me desamparaste?". DTN – 754.
Ate mesmo Jesus recebeu o silencio de Deus como resposta à sua pergunta. Nem mesmo Jesus Cristo escapou das indagações que atormentam o ser humano.
Meu Deus, porque você me deixou sozinho no momento em que mais preciso de Ti?
Conclusão
O silêncio de Deus não é prova de sua ausência. O fato de você não ver ou sentir algo, não prova a inexistência de nada. Deus é assim: IMPROVÁVEL.
Porém, o silencio de Deus atormenta tanto o ser humano por que:
-Causa sensação de desamparo.
-Potencializa o medo da morte.
-Provoca dúvidas paradoxais.
Acho quase impossível pesquisar sobre o silencio de Deus e não se deparar com a experiência da albanesa Gonxhe Agnes Bojaxhiu (Góndia Anhes Boiandio). Mais conhecida como Madre Tereza de Calcutá. Segundo uma de suas biografias, enquanto viveu na Índia seu maior desejo foi amar a Deus mais que qualquer outro ser humano. E durante uma viagem de trem, Tereza ouve uma voz, a quem ela atribuiu ser de Deus, que lhe diz: “Teresa, tenho um pedido a lhe fazer: deixe tudo, o convento, a congregação religiosa, e mergulhe nas ruas, no meio dos pobres”. Em 16 de agosto de 1948, quando as portas do convento se fecharam às suas costas silenciou-se também a voz de Deus em sua vida. Nos próximos 10 anos, o silencio foi tudo que recebeu como resposta às suas orações. Em 1958, durante o funeral de um líder de sua igreja, ela volta a sentir a presença de Deus e isso deixa á profundamente feliz. Ela fica radiante e todos sentem que ela estava diferente. Porém depois desse episódio, nunca mais ouviu a voz de Deus novamente ate 1999, o ano de sua morte. Numa carta endereçada a um padre amigo ela declara: “Diga-me, padre, porque existe tanto castigo e tanta escuridão em meu coração? Quando busco elevar meu pensamento ao céu, o vazio é de tal modo terrível que aqueles mesmos pensamentos retornam como punhais afiados e ferem a minha alma. Diz-se que Deus me ama, e, contudo, a realidade da escuridão, e do frio e do vazio, é tamanha que nada toca minha alma”. Dos 71 anos que viveu como missionária entre os pobres da índia, 51 anos foram sem ouvir a voz de Deus em momento algum.
Apelo
O que você grita quando a doença, o desemprego e a dor chegam na sua vida?
O que você pensa quando o pão não se multiplica?
Do que você desiste quando as coisas não vão bem em sua vida?
Ei você ai! O que faz quando Deus fica em silêncio?
Professor Walter Vinicius