Cristo é a sabedoria de Deus?
“O Senhor me criou como o princípio de seu caminho, antes das suas obras mais antigas.” Pv 8.22
Essa passagem é aplicada a Cristo pelo Espírito de Profecia (PP 34; 1ME 248). A dificuldade está na forma como ela é traduzida por algumas versões. Enquanto algumas preferem verter “me possuía” (ARA) outras preferem “me criou” (TNM, NVI, NTLH). Este versículo faz parte de uma alegoria onde a sabedoria é exaltada. Paulo chama a Jesus de “poder de Deus e sabedoria de Deus” (1Co 1. 24, 30 NVI). Entender que Cristo teve princípio é o mesmo que pensar que houve um tempo em que Deus não possuía nem sabedoria e poder. Longe de negar a eternidade do Filho esta passagem a atesta.
Cristo é a primeira criação de Deus?
“E ao anjo da igreja que está em Laodicéia escreve: Isto diz o Amém, a testemunha fiel e verdadeira, o princípio criação de Deus.” Ap 3.14 (ARC)
A palavra “origem” (do grego arché) desta passagem pode ser entendida na forma ativa ou passiva. Se for entendida como passiva então Cristo é um ser criado. Mas se for compreendida com outro sentido então ele é o agente que criou todas as coisas. Com qual destes sentidos a Palavra de Deus concorda? Veja Jo 1.1-3; Hb 1.2; Cl 1.16. A NTLH verte esta passagem desta maneira: “que é a origem de tudo o que Deus criou”. A NVI fez uma tradição mais ampla: “o soberano da criação de Deus.”
Cristo é o primeiro filho de Deus?
“Ele é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação.” Cl 1.15.
Referindo-se a Jesus, a palavra “primogênito” é usada sete vezes no Novo Testamento.[1] Duas vezes é usado para se referir ao seu nascimento através de Maria (Mt 1.25; Lc 2.7) e mais cinco vezes com o sentido figurado: “Primogênito entre muitos irmãos” (Rm 8.29), “Primogênito de toda a criação” (Cl 1.15), “Primogênito dentre os mortos” (Cl 1.18), “Deus introduz o primogênito no mundo” (Ap 1.5) e “Primogênito dos mortos” (Ap 1.5).
Destas ocorrências a que merece destaque é a de Cl 1.15. Para os antitrinitarianos o sentido do texto é de que Cristo seria o primeiro ser criado. Será que era isto o que Paulo queria dizer? Pelo contexto entendemos que Paulo estava ensinando que Cristo tinha a primazia sobre tudo (veja o v. 18 ú.p.). Ele é eterno, não tem origem (veja Is 9.6 e Mq 5.2). Nas Escrituras nem sempre primogênito significa o primeiro filho, mas pode ter o sentido de proeminente, destaque, pessoa digna de toda atenção. Veja os exemplos de:
a) Efraim. Compara Jr 31.9 com Gn 41.50-52.
b) Davi. Compare Sl 89.20,27 com 1Sm 16.10-12.
c) Sinri. 1 Cr 26.10.
d) Israel. Compare Ex 4.22 com Dt 7.6,7.
A palavra grega para primogênito é “protótokos”, formada de protos=primerio, melhor, mais importante, mais preeminente, e tókos=nascido, criança, de tikato=nascer. Ela tem o sentido de mais importante, mas preeminente. Se Paulo quisesse dizer que Cristo era o primeiro ser criado ele teria usado a palavra grega “protoktistos”.
Cristo veio do “seio do Pai”?
“Disse-lhes Jesus: ‘Se Deus fosse o Pai de vocês, vos me amariam, pois eu vim de Deus e agora estou aqui. Eu não vim por mim mesmo, mas ele me enviou.” Jo 8.42
“O Eterno Pai, Aquele que é imutável, deu seu único Filho, nascido dEle, retirado do seu seio, aquele que foi feito à expressa imagem de Sua pessoa e enviado a terra para revelar o quanto Ele amou a raça humana.” (RH 7 set. 1895).[1]
“O divino Filho de Deus estava desfalecente, moribundo. O Pai mandou um mensageiro de Sua presença para fortalecer o divino sofredor, e fortificá-Lo para trilhar a sangrenta estrada. Pudessem os mortais ter contemplado o espanto e a dor da hoste angélica ao testemunharem eles em silencioso pesar o Pai afastando Seus raios de luz, amor e glória de Seu Filho dileto[2], e poderiam melhor compreender quão ofensivo é o pecado aos Seus olhos.” 1TS 225.
Sobre essa questão o pr. Alfons Balbach comenta:
“Algumas pessoas entendem por esse verso (Jo 8.42) e a partir dessa declaração (RH 9 jul 1895) que Jesus veio literalmente do corpo do Pai em algum tempo remoto da eternidade [...] Volvamos, pó um momento, a nossa atenção à parábola dório e de Lázaro, em Lc 16. Se Lázaro, que foi para o seio de Abraão, pudesse vi a nós e se pudéssemos perguntar-lhe: Lázaro, de onde veio? Ele responderia: Eu procedo do seio de Abraão. Para nós é claro que Cristo procedeu do Pai como o esperado ‘governador’ ‘procedia’ do meio do povo (Jr 30.21). E também entendemos que a irmã White empregou a apalavra ‘seio’ como indicativo de ‘intimidade, familiaridade’. Ver os exemplos de Dt 13.6; Is 40.11; Lc 16.22, 23. Nesse sentido, Cristo procedeu do seio do Pai e para lá retornou (Jo 1.18).”[2]
Deus concedeu a divindade ao Filho?
“Pois, da mesma forma como o Pai tem vida em si mesmo, Ele concedeu ao Filho ter vida em si mesmo.” Jo 5.26.
“Pois foi do agrado de Deus que nEle habitasse toda a plenitude.” Cl 1.19.
As duas passagens devem ser entendidas à luz da encarnação do Filho. Como Deus Ele não muda (Hb 13.8), mas como homem, tudo que Ele fazia ou era dependia da divindade. Deus é a fonte de toda a vida e o Filho antes da encarnação já participa dessa vida. João dia na introdução do seu evangelho que “nEle [a Palavra, o Logos divino] estava a vida.” (cap. 1.4).
“Por ocasião da encarnação Ele tomou sobre si mesmo a vida mortal, o que fica provado pelo fato de que Ele morreu como homem. Ora, foi ao Filho, na qualidade de homem, que Deus deu essa vida ‘independente’ ou ‘necessária’. Assim sendo, o Filho de Deus, como homem, se tornou o primeiro realmente imortal, porquanto é como homem que possui a vida necessária [ou seja, a vida de Deus que mantém todas as outras coisas vivas]. Por intermédio do Filho de Deus é que essa vida ‘necessária’ ou ‘independente’ é transmitida aos homens, e é justamente isso que é ensinado nos vers. 21, 24, 25; e, de fato o termo ‘vida eterna’ implica em tudo isso, pois a vida eterna consiste na verdadeira participação da vida divina. Ver 2Pd 1.4.”[3]
O Pai é maior que o Filho?
“Vocês me ouviram dizer: Vou, mas volto para vocês. Se vocês me amassem, ficariam contentes porque vou para o Pai, pois o Pai é maior do que eu.” Jo 14.28
Quando Jesus disse “o Pai é maior do que eu” estava afirmando que não era igual a Deus? Devemos lembrar, mais uma vez, que esta passagem deve ser entendida no contexto da encarnação. Em Hb 2.9 é dito que Ele foi feito menor que os anjos. Significa que Ele é inferior aos anjos? Não, pois Ele os criou (Cl 1.16).
Por ser Filho de Deus Cristo não é eterno?
Os antitrinitarianos dizem que “se Cristo fosse co-eterno com o Pia, ou eterno junto com o Pai, então ele não poderia ser seu Filho, simplesmente porque não existe nenhum Filho com a mesma idade de seu pai.”[4]
A confusão que se faz aqui com as palavras “Pai” e “Filho” quando se discute a relação que existe entre os membros da divindade é fruto do desconhecimento das peculiaridades da cultura bíblica. Lund e Nelson comentam que “era costume entre os hebreus chamar a uma pessoa filho da cousa que de um modo especial a caracterizava, de modo que ao pacífico e bem disposto se chamava filho da paz; aos iluminados e entendido, filho da luz; aos desobedientes, filhos da desobediência, etc. (veja-se Lc 10.6; Ef 2.2; 5.6 e 5.8).”[5]
Portanto, quando a Bíblia afirma que Cristo é Filho de Deus está afirmando que Ele é Deus. Na discussão com os judeus sobre a santificação do sábado, Jesus usa um argumento que para eles soou como blasfêmia: “Meu Pai continua trabalhando até hoje, e eu também estou trabalhando.” (Jo 5.17) Ao afirmar que Ele fazia algo que o Pai também fazia colocou-se no mesmo nível que o divino, em pé de igualdade com Deus. Por isso a conclusão do vers. 18: “Por essa razão, os judeus mais ainda queriam matá-lo, pois não somente estava violando o sábado, mas também estava dizendo que Deus era seu próprio Pai, igualando-se a Deus.”
Enquanto os anjos são filhos de Deus por criação (Jó 38.7) e nós somos filhos de Deus por adoção (Jo 1.12; Ef 1.5), Cristo é filho de Deus por natureza (Jo 1.1; 5.18; 20.28). Os judeus não ousavam chamar a Deus de Pai, por que eles entendiam que esse termo o igualava ao homem.
Quando Jesus afirmou que “Eu e o Pai somos um” (Jo 10.30) despertou um sentimento de revolta entre os judeus novamente. Eles resolveram apedrejá-lo alegando que Cristo blasfemava porque sendo “um simples homem e se apresenta como Deus.” (vers. 33). A expressão Filho de Deus não nega a divindade de Cristo, pelo contrário, a confirma.
[1] Ellen White também chama a Cristo de Primogênito: “A dedicação do primogênito teve sua origem nos primitivos tempos. Deus prometera dar o Primogênito do Céu para salvar os pecadores. Este dom devia ser reconhecido em todas as famílias pela consagração do primogênito. Devia ser consagrado ao sacerdócio, como representante de Cristo entre os homens.” DTN 51 (ênfase nossa).
[2] Osório traduz o original em inglês “Son of His bosom” por “Filho do Seu seio” para afirmar que Cristo foi gerado por Deus.
[1] Citado por OSÓRIO, Sérgio. A Divindade ou a trindade? p. 25).
[2] BALBACH, Alfons. Considerações sobre a Divindade, p. 83.
[3] CHAMPLIN, Russel N. O Novo Testamento interpretado versículo por versículo, vol. 2, p. 346. (Parêntese nosso)
[4] OSÓRIO, Sérgio. A Divindade ou a trindade? p. 21.
[5] LUND, E. e NELSON, P. C. Hermenêutica, p. 108.